Toxoplasmose e gravidez: O gato é mesmo um vilão?

Entenda qual o papel do gato na transmissão desta doença e saiba quais os mitos e verdades sobre este assunto.

Fernanda Ferrari Trida

Este tema me interessa por dois motivos: sou médica veterinária e já engravidei duas vezes. Ambas convivendo com meus dois gatos, além daqueles que atendo no consultório. Acho importante esclarecer ao público o que é toxoplasmose e o os mitos e verdades sobre a o papel dos gatos na sua transmissão.

1. O que é a doença?

O agente da toxoplasmose é um parasita que pode infectar qualquer mamífero, mas ele se reproduz somente no intestino do gato. Para adquirir a doença, o ser humano precisa ingerir fezes do gato infectado ou comer carne crua ou mal cozida de cordeiro e porco, principalmente. Os sinais da doença em pessoas saudáveis são febre baixa, mal-estar e inchaço dos gânglios linfáticos que muitas vezes passam despercebidos. Em pessoas imunossuprimidas, como pacientes com AIDS e transplantados, a toxoplasmose pode causar problemas neurológicos e nos tecidos enxertados.

A infecção (não detectada e não tratada) da gestante pelo Toxoplasma gondii durante o primeiro trimestre da gestação pode levar à morte do bebê em 15 a 25% dos casos, pois o parasita atravessa a placenta até o feto e destrói os tecidos cardíacos, cerebrais, pulmonares e das retinas (olhos) em desenvolvimento. No segundo e terceiro trimestres da gestação os riscos são muito menores.

2. Como detectar se o seu gato tem ou já teve a doença?

Os sintomas da toxoplasmose em felinos são mal-estar, perda de apetite, perda de peso, febre, corrimento ocular, vômito, diarréia ou problemas neurológicos como convulsões. Mas, na maior parte das vezes, estes sinais são tão leves e passageiros que nem são percebidos pelo dono. Nos gatos com doenças que causam imunossupressão, os sintomas são graves e podem levá-lo à morte.

Para detectar a doença, o proprietário do animal deve pedir ao seu veterinário exames de sangue específicos. De acordo com os resultados, o dono poderá saber se o animal já teve a doença, se nunca teve ou se a toxoplasmose está se manifestando no período do teste. Saiba que existe tratamento para esta doença e seu gato passará a ser portador do parasita, eliminando-o somente se tiver uma doença que reduza sua imunidade.

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3. Como detectar se você tem ou já teve a doença?

Da mesma forma que existem exames para os animais (e não somente os gatos), há testes sanguíneos para os humanos também. Eles detectam a quantidade de substâncias que são parte do sistema de defesa do nosso organismo chamadas imunoglubulinas. Se a pessoa estiver doente por causa do Toxoplasma gondii, um tipo de imunoglubulina chamado de IgM se mostrará alto. Se o indivíduo já teve a doença no passado, a IgG se mostrará aumentada.

4. O que fazer se você estiver grávida e for negativa para toxoplasmose?

Alguns cuidados devem ser tomados pela gestante, mesmo que esta não tenha gatos ou outros mamíferos em casa:

  • Não coma carne crua ou mal passada.

  • Lave bem as mãos e as superfícies de corte (tábuas, pia etc.) depois de preparar carnes cruas.

  • Ferva água para beber se a origem não for confiável.

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  • Use luvas quando estiver trabalhando no jardim.

  • Lave sempre as mãos antes de se alimentar.

  • Se há gatos e cães na vizinhança que defecam em seu jardim, evite entrar em contato com as fezes (peça para outra pessoa limpar ou use luvas ao fazê-lo).

Para aquelas que, como eu, possuem gatos em casa é necessário prestar atenção a outras coisas também:

  • Não entre em contato com fezes de animais (há, por exemplo, cães que comem fezes de gatos, podendo se infectar e liberar o parasita em suas próprias fezes).

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  • Esvazie as caixas de fezes e urina dos gatos diariamente (os parasitas precisam ficar nas fezes por, no mínimo, 24 horas para se tornarem infectantes).

  • Desinfete as caixas com água fervendo diariamente.

  • Não se esqueça de usar luvas ao limpar as caixas de areia dos gatos.

  • Tente evitar o contato do seu animal com gatos desconhecidos (castrar gatos reduz suas saídas às ruas e a interação com outros felinos).

  • Evite que seu animal tenha contato com fezes de outros mamíferos.

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  • Faça os exames sorológicos para detecção da toxoplasmose em seu gato e cão.

5. Ops! Estou grávida, tenho animais e sou negativa para toxoplasmose. E agora?

Calma. Não há com o que se preocupar:

  • Leve seu animal ao veterinário. Ele vai fazer todos os exames necessários para detectar não só a toxoplasmose como outras doenças nele.

  • Converse com seu obstetra sobre a situação para que ele possa acompanhar, através de exames de sangue, se você foi infectada.

  • Se você vier a ter toxoplasmose enquanto estiver grávida, não se preocupe, pois existe tratamento para evitar que a infecção passe para o feto ou mesmo que você tenha sintomas.

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6. Siga as instruções do obstetra

Para escrever este artigo, conversei com o ginecologista e obstetra paulista Dr. Roberto Eduardo Bittar, com mais de 30 anos de profissão. Segundo ele, “a gestante que convive com fatores de risco para a toxoplasmose, como ter gatos ou trabalhar com animais, jardinagem ou limpeza deve realizar o exame de sangue para detecção da doença mensalmente. Caso os resultados mostrem haver infecção aguda (recente), o tratamento com um antibiótico específico deve ser iniciado o mais rápido possível. Assim, nem o feto nem a mãe correm risco de adoecer”.

7. Siga as instruções do veterinário

O gato não é um perigo em potencial para gestantes. Ele é transmissor da toxoplasmose, mas se você convive com gatos há tempos provavelmente já teve a doença e isso é positivo para uma gestante, pois somente na infecção aguda é que o feto pode vir a ser contaminado. Mas se você nunca teve toxoplasmose e seu gato tem alguma doença imunossupressora ou sai às ruas e entra em contato com animais com histórico desconhecido, você deve ter cuidado redobrado.

Isso não significa que você tenha que se livrar do seu animalzinho. Isso não é a solução. Basta ter cuidado com suas fezes e ter bastante higiene alimentar.

8. Palavra de mãe

Durante duas gestações convivi com gatos. Os meus dois bichanos tinham a época da minha primeira gravidez, nove e dez anos de idade. Assim como eu não eram positivos para toxoplasmose, ou seja, eu tive que tomar muito cuidado com minha higiene (e a deles também). Além disso, não deixei de exercer minha profissão durante esses períodos. Procurava atender todos os animais usando luvas (chegava a usar dois pares de uma vez), evitava contato com suas secreções e lavava sempre as mãos. Para me prevenir, a cada três ou quatro semanas realizava exames sorológicos. Estamos todos muito saudáveis até hoje e não creio que tenha colocado a mim ou a meus filhos em risco.

Abandonar um animal pelo medo de se infectar por uma doença que nem sabemos se ele tem só porque ouvimos falar de seu possível papel na transmissão é inadmissível. Há inúmeros cuidados que podemos tomar sem ter que realizar este crime.

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Referências:

Consulta Veterinária em 5 Minutos – Espécies Canina e Felina. TILLEY & SMITH JR. Ed. Manole, 2003.

Medicina Interna de Pequenos Animais. NELSON & COUTO. Ed. Elsevier, 2006.

O Que Esperar Quando Você Está Esperando. MURKOFF, EISENBERG & HATHAWAY. Ed. Record, 2009.

Robbins – Patologia Estrutural e Funcional. COTRAN, KUMAR & COLLINS. Ed. Guanabara Koogan, 2000.

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Fernanda Ferrari Trida

Fernanda Trida é jornalista, médica veterinária, dona de casa, esposa, mãe de Marcela, com três anos, e de João, com um ano de idade.