A terceirização dos filhos e as consequências psíquicas da “criança terceirizada”

A terceirização da criança no primeiro ano de vida equivale ao abandono e tem consequências para toda a vida.

Stael Ferreira Pedrosa

Terceirização foi uma palavra muito falada no jornalismo político recentemente. Já que foi votada (e aprovada) a terceirização do contrato de trabalho como parte de um pacote de reformas do governo. A terceirização nesse caso é a contratação de empregados para uma empresa, através de outra empresa que administra recursos humanos, ficando a cargo da contratada as relações empregado-empregador.

No caso da criação de filhos, terceirização é delegar as responsabilidades da parentalidade a outra pessoa que não um dos pais. Geralmente a babás, avós, tias, etc., o que em muitos casos é algo necessário para pais que trabalham fora.

Levando-se em conta a necessidade que os bebês têm de suas mães, tanto no aspecto físico quanto psíquico, na amamentação e na relação de profunda empatia da mãe pelo filho, que consegue, segundo alguns autores, não apenas sentir como pensar pelo filho, (rêviere materna), qual ou quais podem ser as consequências para a criança dessa terceirização?

O pediatra Dr. José Martins Filho, professor na unicamp e autor do livro “A criança terceirizada”, fala sobre esse fenômeno, que ainda que não seja novo, tem mudado de “cara” nos últimos anos. Segundo ele, a figura da avó, que além de ficar em casa tinha carinho de sobra, foi substituída pela creche, pela escolinha, pela babá e os eletrônicos. A vovó, relativamente jovem e saudável, também trabalha fora e já não pode ser a substituta da mãe.

Assim, a criança acaba por ser criada e educada aprendendo valores e cultura de terceiros ou da mídia televisiva, da internet, etc., que para o Dr. José Martins Filho se caracteriza em abandono. E, as consequências surgirão, cedo ou tarde. Aqui estão algumas apontadas pelo pediatra.

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1. Crianças mimadas

Na tentativa de compensar a ausência, os pais tendem a fazer todas as vontades das crianças, criando pessoas autocentradas, que não sabem ouvir um “não”, que quer que todas as suas vontades sejam satisfeitas.

2. Crianças sem vínculo

O vínculo mãe-filho é fundamental no primeiro ano da criança. A interação da mãe com o bebê, seja através da amamentação, do contato com a pele da mãe, de sua voz, é, segundo Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, decisivo na formação psíquica da criança. A criança precisa da presença materna quando está doente, na ida ao médico, na troca de fraldas, enfim, precisa se sentir amada e assistida em seus temores, mesmo aqueles inconscientes. A falta desse vínculo pode acarretar sérios problemas ao longo da vida, inclusive delinquência juvenil e outros distúrbios de personalidade.

3. Miniadultos

A criança terceirizada costuma ter uma agenda cheia, vive entre escola, creche ou cursos, sem tempo para ser criança, sem tempo para brincar ao ar livre com seus pais ou outros. Na infância, a fantasia é fundamental na formação da capacidade de solucionar conflitos, pois através do mito, dos contos de fadas, do herói, a criança pode abordar um conflito interno de forma simbólica e resolvê-lo.

4. Falta de limites

São os pais que dão limites aos filhos. A criança terceirizada costuma não ter limites. Isso no futuro causará problemas com figuras de autoridade. Pais cansados do dia de trabalho chegam em casa e não querem ouvir gritos, birras oriundas de um “não” e com isso fazem todas as vontades das crianças, o que se refletirá em seu comportamento egoísta e arrogante, onde não existe a valorização do outro e do respeito que se deve ter a todas as pessoas.

5. Problemas de comportamento

Muitas vezes em franca atitude de desafio, de mostrar a seus pais que elas existem e querem ser importantes para eles. É como se gritassem por um pouco de amor e presença e fizessem de tudo para serem notadas. Ter alguma atenção, ainda que da pior maneira, é melhor que não ter atenção alguma.

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6. Baixa autoestima

Não é de causar espanto que o resultado de todo esse abandono seja um sentimento de não ser importante, de não ter valor e, claro, de não ser amado. Também de que suas realizações, tais como um diploma do pré-escolar, um jogo de futebol do time da escola ou mesmo a reunião de pais e mestres, enfim, tudo relacionado à criança, são coisas sem importância, já que seus pais não se preocupam em estar presentes.

Sabemos que muitos pais precisam trabalhar e as mães sozinhas acabam por não ter tempo suficiente para os filhos, no entanto, pelo menos no primeiro ano de vida, a mãe deve fazer um esforço extra para ficar com seu filho. Ao longo de suas vidas, pais e mães estejam presentes a seus eventos, realizações, na hora de dormir e quando estiverem doentes. Isso é o mínimo para a saúde psíquica das crianças.

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Stael Ferreira Pedrosa

Stael Ferreira Pedrosa é pedagoga, escritora free-lancer, tradutora, desenhista e artesã, ama literatura clássica brasileira e filmes de ficção científica. É mãe de dois filhos que ela considera serem a sua vida.