Ataque às escolas e videogames, a relação que não se confirma
A população se assusta e busca as origens da violência, mas estão procurando no lugar certo?
Stael Ferreira Pedrosa
A sociedade brasileira se encontra estarrecida diante das notícias de ataques violentos contra escolas. Sejam pais, alunos, profissionais da educação, autoridades, todos parecem ter uma enorme interrogação sobre suas cabeças dos motivos de tais ataques e o que fazer para impedir a continuação da violência.
Em 2022 e 2023 foram 5 ataques, sendo o mais recente em abril de 2023, em uma creche em Santa Catarina, onde 4 crianças morreram durante o crime. Esse terrível episódio ocorreu menos de um mês após um adolescente de 13 anos ter esfaqueado e levado a óbito uma professora em uma escola estadual em São Paulo.
Casos mais antigos têm sido relembrados, e somando os ataques dos últimos 12 anos, têm-se um total de 52 vítimas. Foram 12 ataques, sendo os mais impressionantes os relacionados abaixo:
2011: numa escola de Realengo no Rio de Janeiro, onde um atirador matou 12 crianças, feriu mais de dez e se matou em seguida.
2017: Janaúba (MG), o vigia da creche ateou fogo na escolinha, matando 14 pessoas: 10 crianças, 3 professoras e a si mesmo.
2021: Saudades (SC) onde um jovem de 18 anos invadiu uma creche e matou 3 crianças com menos de 2 anos e uma professora.
2022: uma escola de Aracruz no Espírito Santo, que deixou 3 mortos e 13 feridos.
2023: uma escola da Vila Sônia em São Paulo onde 4 professoras e um aluno foram esfaqueados. Uma das professoras morreu.
Também em 2023, em Santa Catarina, 4 crianças foram assassinadas por um homem de 25 anos que se entregou em seguida.
Um detalhe que chama a atenção é a idade dos agressores. Em média 28 anos, o que se aproxima do público consumidor de videogames no Brasil cuja faixa majoritária está entre os 16 e 34 anos de idade, fazendo com que a população associe a violência dos games aos ataques.
Existe alguma relação entre os videogames e os ataques?
Recentemente, até mesmo o presidente Lula atribuiu essa violência, inicialmente, a pessoas com doenças mentais e em seguida aos videogames.
Embora a primeira atribuição seja fruto de um preconceito estabelecido contra deficientes mentais e falta de informação, o segundo traduz a visão de muitas pessoas, que assim como o presidente, veem correlação entre os videogames e a violência praticada por jovens.
Duas pesquisas conduzidas pelos psicólogos Craig Anderson, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Iowa, nos Estados Unidos, e por Karen Dill, da Lenoir-Rhyne College e publicada pela BBC, apontou resultados como os que se seguem:
– Jogos de videogame violentos como Doom ou Mortal Combat podem provocar um aumento de pensamentos, sentimentos e comportamentos violentos.
– Videogames violentos podem provocar mais danos do que filmes violentos na televisão ou no cinema, porque videogames são interativos e provocam uma interação do jogador com o personagem agressivo do jogo.
– O primeiro estudo aponta que jovens habitualmente agressivos podem ser vulneráveis aos efeitos da exposição continuada a games violentos.
– O segundo estudo mostrou que qualquer pessoa pode se tornar temporariamente mais agressiva depois de uma exposição breve a games violentos.
– Os estudantes que jogaram games violentos se tornaram mais agressivos do que aqueles que jogaram games não-violentos.
Dúvidas e controvérsias
O Dr. Guy Cumberbatch, pesquisador perito em mídia e violência, disse que é difícil tirar conclusões definitivas a partir dessas pesquisas, pois segundo o pesquisador, não é possível simular em laboratório, a complexidade dos problemas sociais e que a relação entre violência midiática e violência real é muito tênue.
O Dr. Cumberbatch afirma ainda que existem pesquisas demonstrando que o estímulo se dá pelo ritmo frenéticos dos filmes e games de ação, mais do que pela violência retratada.
Daniel Cara, professor e pesquisador da USP, vê uma correlação da violência com os jogos, mas, para o professor, há uma relação maior e mais estreita da violência com o crescimento da extrema direita. Segundo o professor, é possível identificar alterações no comportamento de jovens, apresentando estes, “interesse incomum” por assuntos violentos e atitudes agressivas, recusa em falar e obedecer à professoras e gestoras mulheres, expressões discriminatórias e exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos.
A exemplo do que diz o professor Daniel Cara, pode-se citar o ataque a uma escola em Contagem, MG, onde adolescentes invadiram a escola e deixaram pichações de frases e símbolos nazistas. De acordo com depoimentos colhidos pelo jornal Estado de Minas, o ataque se baseou em um jogo de videogame com vários desafios, entre eles o vandalismo. “Tem várias etapas, vários níveis, e o último seria o assassinato. Entrar na escola e assassinar alguém”, diz a mãe de um aluno.
Um estudo considerado isento, pois as hipóteses foram levantadas e tornadas públicas, antes da pesquisa, pela Universidade de Oxford em 2019, sugerem que estudos anteriores sobre a relação videogames e violências foram afetados em sua isenção por preconceitos dos pesquisadores.
De acordo com o pesquisador chefe Andrew Przybylski, a ideia de que videogames violentos geram agressão no mundo real é popular, mas não tem sido testada muito bem ao longo do tempo. E conclui dizendo que apesar do interesse dos pais e da política, a pesquisa não demonstrou motivos para preocupação.
É importante destacar que a população está assustada e as autoridades buscando soluções e porquês, enquanto a ciência é controversa. No entanto, não se pode resvalar para o achismo em se tratando de algo tão sério. Se a sociedade vai pelo caminho contrário à ciência, pode-se nunca encontrar a verdadeira razão. Assim como Dom Quixote, atacando os moinhos de vento, estaremos direcionando nossas ações contra inimigos que só existem no imaginário, nesse caso no imaginário popular, sem de fato atacar o problema em sua real origem.