Como lidar com uma criança adotiva difícil
Adoção é um ato de responsabilidade antes mesmo de amor e caridade!
Beth Proenca Bonilha
Começo este artigo com uma pergunta para reflexão: Como definir que uma criança é difícil? Lembrando que somos seres diferentes, que não há em toda face da terra ou nunca houve em qualquer período de sua existência uma pessoa exatamente igual a outra. Nem mesmo gêmeos idênticos possuem digitais iguais e comportamento completamente igual. Por isso, comecei o artigo com a reflexão e agora completo com mais uma pergunta que talvez responda a primeira: Como definir que uma criança é difícil e não as pessoas que lidam com ela?
Uma vez assisti a uma palestra do presidente do Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente de Sorocaba, Yuri Gonzales, na qual ele sugeriu que imaginássemos o seguinte: que vivíamos 24 horas em um mundo em que a maioria das pessoas ao nosso redor é duas ou três vezes maiores que nós, que dessem ordens e a todo o momento nos dissessem o que fazer e como fazer, mas nem sempre por que fazer, que dissessem que precisávamos aprender, pois nada sabíamos e até a nossa linguagem fosse diferente desse grupo de “gigantes”. Como nos sentiríamos?
O detalhe mais interessante dessa simulação é que os “gigantes” exigiam que nosso aprendizado fosse rápido, perfeito e não gostavam muito quando não fazíamos como eles haviam determinado e, como consequência desses nossos erros, levávamos tapas, surras, gritos, castigos, mesmo sem entender direito onde havíamos errado. Como nos sentiríamos?
A verdade é que a criança difícil é um paradigma definido pelos adultos, por isso, esse tema está corretíssimo em sua colocação. Quem tem que aprender a lidar com a criança somos nós, os adultos, pois não a compreendemos e elas não nos compreendem, por isso existem tantos conflitos.
Com uma criança adotiva, a dificuldade é muito maior, pois ela é um mistério e traz consigo muitos conflitos, dores e traumas. Tenho a experiência com minha filha, agora com oito anos, que aos seis foi adotada por uma família que a devolveu após cinco meses, pois não soube lidar com a sua carga de sofrimento e ansiedade pela nova situação. Nem mesmo ela sabia por que agia da forma como agia. Quando fomos chamados no Fórum, as psicólogas e assistentes sociais nos disseram que quando ela chegou ao abrigo, por oito meses ela não falou uma só palavra, foi levantada a suspeita de algum tipo de autismo. Mas um dia ela começou a conversar com as outras crianças, porém, com os adultos, a convivência sempre foi muito difícil.
Em nossa casa, tivemos momentos de muita luta. Houve um episódio em que ela ficou dois dias sem tomar banho. Se fosse um de meus filhos biológicos, seria difícil isso acontecer pela criação que tiveram e pelo relacionamento que já mantínhamos, mas no caso disso acontecer, resolveria com uma boa bronca e autoridade. Mas com minha filha adotiva não adiantou, nós não nos conhecíamos, eu não sabia seu limite e ela não sabia o meu. O relacionamento estava só começando, tentei várias técnicas, com carinho, sugerindo um sabonete novo e nada. Chegou o terceiro dia e a maneira que encontrei de resolver o problema foi pegá-la pelo braço com toda paciência possível no momento e colocá-la com roupa e tudo debaixo do chuveiro e começar a dar o banho nela. Ela chorou, debateu-se, mas eu mantive a calma e autoridade, dizendo que toda vez que ela não quisesse tomar banho eu mesma o faria. Após o banho, peguei-a no colo e levei para o quarto, enxuguei-a e coloquei roupa nela. Nesse momento, ela só estava brava, mas já não se debatia ou chorava. Quando terminei, eu a abracei e disse o quanto a amava e que queria cuidar dela. Com essa experiência, aprendi e compartilho que a criança adotada é “difícil”, pois a situação em si é difícil.
Na mesma época, soube de outro caso, o de uma garota de dez anos que foi para uma família que estava apaixonada por ela, mas assim que as crises começaram não resistiram, não souberam tomar o controle da situação mostrando que a vida dela agora era outra, e também não entenderam que a vida deles também não seria mais a mesma. Devolveram-na e até hoje ela vive em outro abrigo.
O principal para lidar com uma criança adotada que se comporta de maneira MUITO difícil, pois difícil já será naturalmente, é seguir as seguintes dicas:
Tenha certeza de sua intenção
com o ato de adotar. Se for por pena, dó ou compaixão, a dificuldade começa aí, pois a criança não agirá com gratidão. Ela está sofrendo com a separação de sua antiga vida, seja qual for a razão que a levou para a adoção. Normalmente, ela não confia nas pessoas, tem baixa autoestima e solidão.
Não crie expectativa
de que a criança agirá como as crianças que você conhece ou como seus filhos biológicos. Lembre-se, a situação é difícil e, automaticamente, ela agirá como uma criança difícil.
Prepare o ambiente
para recebê-la, mas procure não fazer grandes alterações, a rotina da casa já vai mudar e todos da família devem estar cientes disso. Deixe a criança conhecer todos os ambientes sem restrições, para que ela entenda, o quanto antes, que faz parte do ambiente. Isso fará com que ela se sinta mais calma pela segurança e liberdade que sentirá.
Nos momentos difíceis
de crise, de desobediência, birra, briga, lembre-se de que você está no comando, que sua autoridade de pai ou mãe deve prevalecer a qualquer ameaça que a criança faça. Mas não se esqueça, o amor, o carinho e a segurança devem estar a todo momento sendo mostrado para a criança no momento de usar a autoridade.
AME incondicionalmente
Acriança vai sentir esse amor e aos poucos vai ceder a ele. Mesmo que nunca tenha sido amada, ela vai aos poucos, lentamente mesmo, acreditando na possibilidade de que existe outra forma de viver, com amor. E, também, começará a amar.
Adoção é um ato de responsabilidade antes mesmo de amor e caridade, como as campanhas que entidades tentam passar, para sensibilizar a adoção. A responsabilidade não está ligada, simplesmente, a alimentar, vestir e calçar, o principal é dar à criança a segurança de que seja como for, ela será aceita e que a família está disposta a vencer os desafios por ela e com ela.
Outro dia, minha filha adotiva me perguntou quando eu iria morrer, e eu disse que não sabia, mas que, certamente, isso iria acontecer em algum momento. Então, ela falou: “Será que esse dia vai ser só depois que eu já for grande?”
Ela ainda não me chama de mãe, mas depois de 15 meses de convivência, respeita-me e me trata como sua mãe.