Corrigir sem ferir é possível (e necessário)
Nas plantas, as raízes devem primeiro firmar-se para crescer e dar frutos. Para as crianças, seu florescimento se dá quando têm primeiro um apego seguro.
Fui a um show com minha amiga, tínhamos quinze anos, e era o primeiro a que assistíamos. Mas estávamos preocupadas, em vez de chegar às onze horas em nossa casa, chegaríamos, na melhor das hipóteses, às 00:30 da madrugada. Não podíamos fazer nada, não havia maneira de nos comunicarmos com nossos pais, assim decidimos desfrutar ao máximo desse momento de diversão.
Na manhã seguinte, conversamos na escola sobre a reação de nossos pais. O que ela comentou me deixou gelada. Tinham-na recebido com pancadas. Aos quinze anos, seu pai lhe deu tapas e mandou-a para o seu quarto. Não lhe deu a oportunidade de comentar sobre as falhas de som ou sobre o inexplicável atraso da banda para se apresentar.
Nenhuma de nós tinha bebido ou tido comportamentos impróprios, meus pais tinham esperado lá fora, e a deixaram na porta de casa o mais cedo possível. Com os olhos tristes, mas fazendo-se de forte, ela me mostrou também um chocolate que seu pai lhe havia dado pela manhã pedindo-lhe desculpas, mas justificando-se em que “se ela não o tivesse assustado, ele teria se controlado”.
Minha amiga me disse com voz baixa: “ele pode me dar os chocolates que quiser, mas o que fez ontem não vou esquecer”.
E você, como educa?
Muitos pais vivenciam a educação dos filhos como um trabalho titânico. O mundo está cheio de desafios que nos tiram o fôlego: problemas econômicos, limitações pessoais, insegurança social, crises emocionais. Nunca antes os pais sentiram tanto que não estão pisando em terreno firme como os de agora, e duvidamos sobre como educar, como reagir, como mobilizar nossos filhos para o bem, o verdadeiro, o saudável.
Às vezes, cometemos o mesmo erro que o pai da minha amiga: dizemos aos nossos filhos que lhes batemos, gritamos, maltratamos por “culpa deles”, ou “para o seu bem”. Dói em nós, arrependemo-nos, mas por tanta pressão, tantas feridas ou tanto estresse, não conseguimos ver que existe um grande ressentimento e uma dor imensa em seus olhos. Não é para menos! Eles recebem ataques e/ou maus-tratos por parte de quem deveria cuidá-los e amá-los incondicionalmente.
Se alguém está à deriva, precisa de um porto seguro!
Nunca como agora, nossos pequenos experimentam ambientes desestruturados, onde a falta de limites, a vida profissional intensa e agitada de seus pais e o excesso de atividades de lazer convida-os a evadir-se, a se distrair acima de tudo, e deixam que a vida siga, pouco conscientes do quanto é precioso aproveitar o momento presente para crescerem, serem melhores, mais felizes.
Nossos pequenos precisam de nós como portos sempre abertos e sempre receptores de suas necessidades, carinho e contenção. Mas se receberem repreensões, irritação, golpes e maus-tratos de nós, será que realmente virão a nossos braços quando enfrentarem algum problema?
Para nos tornarmos aqueles pais e educadores que tanta falta lhes fazem, é preciso compreender a essência do nosso trabalho, e entender que tem eco na eternidade.
Foram-nos dadas almas puras, que bebem de nossos gestos, traços, costumes e exemplo. Continuam a fazê-lo a cada momento, e temos a responsabilidade de tratá-las dignamente, de encorajá-las a voar alto, de sentir a beleza do desenvolvimento humano, moral e espiritual, que nos ajuda a compreender nosso coração sedento do transcendente, e alimentá-lo com ideais e amor. Não lhe faz tremer uma responsabilidade tão grande?
O que procuramos ao “corrigir”?
Vale a pena, já que vamos entrando nesta pauta, refletir sobre o porquê de nossos métodos corretivos. Estamos sempre dizendo “faço isso para o seu bem”. E pretendemos justificar revanchismo, pagar mal com mal, pôr-nos em seu nível, gritar quando gritam conosco.
E depois, quando um amigo lhes toma um brinquedo, às vezes minimizamos pedindo para terem “paciência”, “compreenderem o outro”, “serem amáveis”, quando diante de seus erros, porque “são nossos” filhos, fazemos exatamente o contrário: maltratamos e reagimos.
A violência só prejudica
Na página do Guardiões, um órgão de combate à violência e o abuso contra as crianças, encontrei sete razões pelas quais o castigo e a violência não educam nem corrigem. Eu divido com você.
1. Gera ressentimento contra aquele que obriga ou impõe;
2. É uma reação revanchista imposta, que bloqueia uma análise pai-filho sobre o ato e seus efeitos ou consequências na vida;
3. As crianças podem se comportar, mas apenas para evitar o castigo, esquecendo a busca genuína do bem, do verdadeiro e do belo;
4. Fere os vínculos entre pais e filhos;
5. Prejudica a autoestima, pois se é frequente, faz os filhos crerem que não atendem nossas expectativas;
6. O medo e a submissão aos pais os faz “depender” de como reagiremos, em vez de autodeterminar-se;
7. Normaliza-se a violência e justifica-se agir de forma violenta ou duramente por uma “boa” causa.
Vai continuar com um “remédio” prejudicial?
Que diferença faz se, diante de um conflito, você parar antes de ferir!
Educar com amor é possível, necessário e urgente. Muitos pais afirmam que “apanharam/foram agredidos/repreendidos, e por isso são boas pessoas”. Os psicólogos respondem a isso com uma afirmação categórica: se você é uma pessoa de bem, é apesar disso, não por essa causa.
Bem, você trataria assim um aluno? E se o fizesse, seria na frente de seus pais? Se fosse você essa criança, gostaria de “sofrer” porque alguém deseja seu bem? O seu filho, na verdade é “mau”? Está olhando com clareza? A sua “educação” o forma ou o estraga?
Convém fazer todas essas reflexões, a saúde mental, a autoestima e a vida dos nossos pequenos exigem isso.
Um recurso para educar amorosamente: “amo você assim!“
A pesquisadora, escritora, ativista e consultora sobre os direitos da infância, L.R Knost, compartilha um eixo básico para conseguir uma mudança em nossa forma de criação: ser um espelho inspirador para nossos filhos:
Em suas redes sociais, ela convida-nos: “Você tem que ver a necessidade e o verdadeiro ser humano sob as palavras e sob o comportamento”. Em muitas ocasiões, comenta: “damos aos eventos seu significado, dependendo de nossas histórias pessoais, temperamento, condição física e estado mental no momento em que os experimentamos”.
Continua sugerindo que, diante de um comportamento inadequado, errôneo ou impróprio, mostremos aos pequenos, amorosamente, que os amamos, e que eles podem dar mais, que podem aprendê-lo, que serão mais felizes com esse desenvolvimento emocional e pessoal. Afirma: “nas plantas, as raízes devem primeiro firmar-se para que comece o crescimento e o dar frutos torne-se uma possibilidade. Para as crianças, seu florescimento se dá quando têm primeiro um apego seguro, um apego que nutra o contato e as anime desde o coração, incondicionalmente”.
Vamos começar com isso?
Traduzido e adaptado por Stael Pedrosa do original Corregir sin lastimar es posible (y necesario)