O melhor presente de Natal de nossas vidas
O melhor presente de Natal é aquele que sai de nossos corações e silenciosamente encontra o coração de nosso próximo.
Stael Ferreira Pedrosa
Até alguns anos atrás, nunca havia sentido vergonha de ser ou estar feliz, mas ouvi falar sobre isso e pensei que, afinal de contas, era algo muito estranho. Como assim, sentir vergonha de ser feliz? Foi na noite de Natal de 2020 que eu pude experienciar esse sentimento pela primeira vez.
Chovia um pouco e a garoa parecia dar um ar de magia ao embaçar os vidros do carro e tornar as luzes de Natal da praça da Igreja ainda mais difusas e tocantes. Esperava meu filho, que tinha ido levar um presente para seu melhor amigo e retornava se protegendo da chuva fina com a bela sacola em que havia levado o presente.
Ele entrou no carro com um ar triste no rosto e retirando a máscara preta disse: “o avô do André, ele tá no hospital, covid”. Só disse isso e se ajeitou. Eu perguntei como estava a família, especialmente a mãe do André, filha dedicada aos pais, e como estava a dona Graça, esposa do doente. Ele disse que todos pareciam tristes demais e que estava sem graça por ter chegado na casa do amigo sorrindo e dizendo em alta voz: “e aí gente? Feliz Natal para vocês!”.
Ele estava envergonhado de estar feliz. Não pude conter as lágrimas, nem tanto pela família, mas por estar em contato com aquele sentimento estranho que eu havia ouvido falar e não compreendera o significado. Agora era tão claro para mim, no rosto triste de meu filho, que havia sentido vergonha de estar feliz.
Horas depois, antes da ceia de Natal, meu filho recebeu um telefonema de André. Seu avô havia falecido. Vi o estranhamento no rosto de meu filho ir mudando aos poucos para um rosto coberto de lágrimas ao compartilhar a dor de seu amigo. Pensei egoistamente que aquela notícia iria estragar o nosso Natal.
Alguns minutos depois, meu primogênito entra novamente na sala e diz com alegria: “vamos celebrar o melhor natal de nossas vidas!”. Não gostei de sua atitude, pois pensei que ele queria apenas disfarçar a dor da perda que seu amigo desde a infância experimentava nessa noite de festas. Chamei-o a um canto e perguntei como o André estava e, afinal, como estava a família toda nessa noite de tanta tristeza.
Ele me disse, ainda com restos de lágrimas nos olhos e um sorriso contrastante, que havia recebido o melhor presente de Natal de todos seus 22 anos de vida. André lhe havia dito que mesmo em meio à dor da perda do avô, ele iria celebrar essa noite com aqueles que permaneceram, afinal, nem ao hospital para um adeus poderiam ir. Celebraria as lembranças de seu avô, a quem ele era grato pelos 21 anos de alegria, amor, carinho e a boa companhia que ele lhe proporcionara.
Concluiu desejando um Feliz Natal a todos aqui de casa e que não nos preocupássemos, eles ficariam bem. Embora houvesse um lugar vazio em sua mesa de Natal, não havia lugares vazios em seus corações e ele tinha certeza de que era assim que seu avô, tão generoso, gostaria que fosse.
Enquanto tentava consolar seu amigo, foi meu filho quem teve o coração consolado. Ele percebeu, e agora me transmitia novamente com um sorriso e lágrimas nos olhos, a imensa felicidade que era poder ter as cadeiras em torno da mesa preenchida nessa noite de Natal, ainda que apenas pelo irmão com quem brigava quase todos os dias, por mim, por seu pai, e embora não tivesse a presença daquela prima chata que mexia em suas coisas, do tio com suas brincadeiras sem graça, tampouco pelos avós tão amados, que haviam partido desse mundo, ele ainda se sentia feliz e grato, dessa vez sem se envergonhar e cheio de esperanças para o próximo Natal.
A chuva continuou por toda a noite, não foi possível ir para o quintal aproveitar a beleza da noite ao redor das árvores decoradas com luzes coloridas, nem ir desejar Feliz Natal aos vizinhos. Trocamos os presentes e ceiamos com alegria em meio ao caos em que o mundo estava mergulhado, em meio às terríveis notícias que nos bombardeavam, na certeza de que o melhor presente é ter a quem amamos ao nosso redor.
Neste próximo Natal, teremos a presença de mais familiares, embora ainda de maneira cuidadosa, é possível. E certamente, ao celebrar, nos lembraremos com empatia de todos os que têm suas mesas incompletas, todos os que perderam a oportunidade de celebrar com seus entes queridos. Também a todos os que sofrem as consequências da desoladora pandemia de Covid-19, que ceifou vidas, empregos, saúde e a esperança de muitos.
Que nossas orações, sentimentos e atos de bondade, ainda que silenciosos, saiam de nossos corações e encontrem os corações daqueles que estão mergulhados na dor, aquecendo-os com nosso amor, nossa memória; e que eles saibam que podem estar sós, mas jamais esquecidos.
Feliz Natal!