O que todo pai de família deve lembrar em meio a uma crise

Às vezes, a vida se assemelha a um mar tempestuoso em que se perdeu o porto. Em casos assim, vale a pena parar, repensar e responder perguntas essenciais: quem sou eu? Para onde vou? Onde estou?

Oscar Pech

O momento que forja sua vida

Uma das melhores histórias de Juan Rulfo, em O Planalto em Chamas, parte, creio eu, de uma ideia de Jorge Luis Borges, ou talvez Rulfo tenha pensado independentemente de Borges, o seguinte conceito: um homem pode ser definido por um momento de sua vida. Há um momento terrível que não apenas resume, mas é de fato todo o seu passado e futuro: um acontecimento que forja (gosto desta palavra e metáfora) toda a sua vida.

Vamos pegar um exemplo quase aleatório: o patriarca Abraão. Qual momento define sua vida? Imagino que seja quando ele recebe a ordem de sacrificar Isaac, e obedece: nem antes nem depois. Tudo de grandioso que ele fez nos primeiros cem anos de vida veio culminar naquele momento, ou o leva a esse momento. Sem décadas de obediência disciplinada e fé poderosa, ele não poderia ter chegado naquele momento que ilumina o resto de sua vida. E o mesmo em relação Jesus Cristo: como alguém afirmou, “sem Getsêmani não haveria Natal”.

Voltando a Rulfo, a história se chama “Diga a eles para não me matarem”. A genialidade do texto é mostrar não apenas um, mas dois momentos: quando um velho vai ser fuzilado na Revolução e quando um homem sem coração e impiedoso mata seu compadre por algo insignificante, numa infrutífera demonstração de poder. No decorrer da história, ficamos surpresos ao descobrir que os dois homens tão diferentes, o velho indefeso e o assassino impiedoso, são a mesma pessoa em épocas diferentes.

Você já viu isso na vida real? Eu já vi, muitas vezes. Se o agora amoroso e venerável idoso pudesse, quando jovem, ser cruel e agir com impunidade, comportava-se como um canalha.

Mas, hoje, quero lhe contar um caso assim, só que ao contrário:

Um herói de guerra

Tempo atrás, trabalhei como intérprete para a área médica na Califórnia: os pacientes não sabiam inglês, nem os médicos espanhol. Meu trabalho era inserir informações nos prontuários clínicos dos pacientes. Um dia, entrevistei um idoso simpático e agradável. Entre outras coisas, perguntei se ele já tinha sido operado, ele disse que sim, que uma granada explodiu em seu pé. Depois, passamos para os dados legais: nome do seu advogado, seguradora, números do seguro social e do pedido de indenização, telefone e assim por diante.

O honrado senhor não se lembrava dos dados. Ele ria de nervosismo e isso o bloqueava completamente: ele achava que, sem esses dados, não seria atendido na clínica. Com toda educação, tentei acalmá-lo e ajudá-lo a ter a tranquilidade necessária para se lembrar dessas informações.

Quando terminei as anotações, perguntei se poderia fazer uma pergunta. “Sobre a granada, poderia me dizer como aconteceu?”, perguntei. Ele contou que antes de ser motorista em Los Angeles, havia sido militar em El Salvador. Ele teve que lutar contra os opositores, contra os guerrilheiros. Um dia, ele pisou em uma granada na floresta. Mas tudo conspirou para salvar sua vida: um tronco de árvore deteve um enorme estilhaço que, de outra forma, teria estourado sua cabeça. Andar abraçado ao fuzil protegeu seu peito, a arma se despedaçou.

A guerra continuou, e o agora idoso foi condecorado, ele foi (é) um pequeno herói em seu país, depois taxista, depois foi trabalhar nos Estados Unidos, e agora ri de nervoso diante de um estranho amigo (eu) com quem está tendo uma conversa agradável porque não consegue se lembrar do nome do seu advogado e número de solicitação! E enquanto eu via isso, não parava de me perguntar: “Aonde as circunstâncias acabaram levando-o para não se lembrar de que é um herói e se sentir impotente?”.

Tenha em mente quem você é

Agora, voltemos ao presente. Penso na crise que estamos vivendo e que, como um efeito dominó, tem atingindo o mundo. Nessas circunstâncias tão adversas, pode ser que sua esposa, seus filhos e você mesmo se esqueçam – como aquele senhor – de quem vocês são, e isso é um grande risco. Pois quando se esquece de quem se é, você acaba se comportando muito aquém de seu potencial, não se valoriza ou encontra facilmente o caminho da rua da melancolia ou da depressão autodestrutiva.

Se alguém me perguntar quem eu sou, qual é o ponto culminante da minha vida, direi simplesmente que não sei. Acho que não o alcancei. É um consolo para mim saber que Abraão, aos 74 anos, ainda não era o pai do convênio, nem imaginava que chegaria a ser. Nem mesmo o profeta Moisés sabia, aos 80 anos.

Hoje, só sei o seguinte: que sou filho de Deus, que há um futuro glorioso pela frente, e que não vale a pena parar de lutar, porque se você parar de tentar, você perde esse futuro.

Sua responsabilidade como cabeça da família

Não se renda! Como cabeça da família, você tem a responsabilidade de ser o leme e cuidar para que nenhum dos seus se esqueça de quem é. E isso é tão importante quanto levar comida para casa. Isso mesmo, às vezes parece que tudo era melhor no passado. De fato, às vezes é verdade, mas se tiver coragem e persistir em fazer o que é certo, sem nunca se render, o futuro será melhor do que a soma de todos os dias passados.

Espero, de coração, que você nunca perca aquele momento precioso que forja em sua vida o quanto você realmente vale. Que, como pai, você possa fazer com que todos em sua casa, quando se virem no espelho, possam dizer o mesmo que Walt Whitman, em Folhas de Relva : “Vejo Deus nos rostos de homens e mulheres”.

Traduzido e adaptado por Erika Strassburger, do original Lo que todo padre de familia debe recordar en medio de una crisis

Oscar Pech

Oscar Pech nasceu no México, é conselheiro. De seus 50 anos, 26 tem sido dedicados a sua carreira de conselheiro, de escritor, do ensino e do "coaching".