Quando uma criança boa se torna problemática

O que faz uma criança “boa” e bem-comportada se transformar em uma criança problemática? A resposta pode estar nesse conto do século XIX.

Oscar Pech

O que faz uma criança “boa” e bem-comportada se transformar em uma criança problemática? Três opções me ocorrem: herança genética, uma série de decisões individuais (como dizem no sudeste do México: “por si só”) e o ambiente em que ela se desenvolve.

Claro que a última opção sempre pesará mais e dela nos fala “Bala, bala, ovelha negra”, publicado em 21 de dezembro de 1888, pelo escritor inglês Rudyard Kipling, e que hoje encontramos como uma das histórias contidas no livro O homem que queria ser rei.

Essa pequena obra-prima narra a forma como se desenrola a infância de dois irmãozinhos, Punch e Judy, de cinco e três anos, num mundo de adultos. Estou convencida de que você e eu, como pais, podemos tirar uma série de lições dessa história.

Na época em que a história se passa, os ingleses que viviam na Índia tinham o costume de enviar seus filhos para a Inglaterra para serem educados por uma governanta que os ensinaria a serem cidadãos ingleses, “cidadãos de bem”. 

O que significava mandar os filhos estudarem longe de casa e escolher uma boa escola para eles? Os pais dessas crianças sabiam que não as veriam durante cinco anos e os elementos que tinham para decidir eram muito escassos, à semelhança do que os pais têm hoje: cartas de referência, requisitos escolares. Assim, quase de olhos fechados, escolhiam, temendo não terem feito a melhor escolha. A única coisa que os consolava era que eram apenas “mais um caso entre centenas”. 

Advertisement

Talvez possamos aprender algo com a experiência de Punch e Judy:

Procurar compatibilidade com os princípios ensinados em casa

Na história, Judy sempre foi tratada com benevolência, mas Punch possuía qualidades que eram valorizadas em casa e vistas como vícios na Inglaterra. Durante os cinco anos que a história relata — possuindo uma beleza dolorosa, vemos como Punch luta para manter sua identidade enquanto perde completamente seu mundo e aprende a viver em uma sociedade em que “foi proibido de se sentar nos sofás e de explicar suas idéias sobre como o mundo foi feito e suas esperanças para o futuro”. 

A melhor forma de escolher uma escola para seus filhos é verificando se o seu modelo educativo é fundamentalmente compatível com as ideias que os pais têm sobre a educação e a vida.

Ter um conceito claro do que significa educar

Para o leitor que gosta de se desvencilhar do argumento e pensar, a história traz continuamente uma ideia: o que é educação? Educar é despejar a informações na criança? Moldá-la de acordo com o nosso gosto? Ou educar é trabalhar com a natureza do indivíduo para libertá-lo e ajudá-lo a superar suas circunstâncias? Pense nisso: o que você pode fazer, como pai, para incutir princípios morais em seus filhos?

Explique sempre a seus filhos os porquês

Punch vivia em um mundo em que muitas das coisas que fazia eram consideradas os pecados mais hediondos, mas nunca era explicado a ele que mal havia naquilo que ele fazia. Portanto, ele concluiu que era impossível entender o que é “maldade” e, ao mesmo tempo, que deveria ter cuidado para não repetir o que os outros achavam ofensivo. Ele aprendeu que “ser educado” é apenas manter as aparências.

Advertisement

Para o leitor atual, é surpreendente que, desde o final do século XIX, se critique esse tipo de educação, onde a criança tem que memorizar tudo contra sua vontade, sem entender nada do que significa. 

A grande lição para os pais, hoje, é que se você não explica os motivos das proibições ou regras, você só está educando seus filhos para aparentarem “bondade” ou terem boas maneiras quando estão na presença de um adulto.

Ninguém pode ser bom sem amor

Ao longo dos anos narrados na história, assistimos a como o conceito de educação (mal compreendido e mal aplicado) e a miserável mesquinhez com que a criança é tratada vão desintegrando a personalidade de Punch, suas certezas, sua bondade, até que ele é levado a um desespero assassino e suicida. Porque quando alguém não entende o porquê das coisas, a própria existência perde todo o sentido, a ponto de, na história, chegar um momento em que Punch perde o nome e é chamado simplesmente de: “ovelha negra”, termo que não é mais usado em nossos dias por ser considerado racista.

“Tempo de qualidade”: uma falácia

Um dos aspectos mais interessantes dessa história é que é um texto autobiográfico: narra as coisas que aconteceram com Kipling e sua irmã mais nova. Nele, o autor levanta a importância da influência dos pais ao participarem ativamente da educação dos filhos e mostra que uma das grandes mentiras de nossa época é que a quantidade de tempo dedicado aos filhos não é tão importante, o que importa é a “qualidade“. A verdade é que seus filhos precisam de ambos.

Como as crianças veem o mundo dos adultos?

Hoje em dia, esse conto é amplamente conhecido e citado mundialmente porque fala de aspectos básicos da família, da educação e de como as crianças veem o mundo dos adultos.

Advertisement

Muitas coisas mudaram daquela época para cá, mas o essencial da história ainda é perfeitamente atual. Ao lê-lo — e minha humilde opinião é que todo pai ou mãe deveria fazê-lo — você se sentirá questionado em sua função educativa e aprenderá o valor do amor como bem supremo na educação de seus filhos. Convido-lhe a ler. Sei que essa leitura será de grande ajuda para você.

Traduzido e adaptado por Erika Strassburger do original Oveja negra: Cuando un niño “bueno” cambia y se vuelve problemático

Toma un momento para compartir ...

Oscar Pech

Oscar Pech nasceu no México, é conselheiro. De seus 50 anos, 26 tem sido dedicados a sua carreira de conselheiro, de escritor, do ensino e do "coaching".